Knut Andreas: ‘Estou presenciando o grande esforço na educação musical no Brasil’

Knut Andreas: ‘Estou presenciando o grande esforço na educação musical no Brasil’

Por Fernanda Rizzi
Publicado no Jornal de Piracicaba em 15 de outubro de 2023

Em janeiro de 2022, a OSP (Orquestra Sinfônica de Piracicaba) escolheu o maestro alemão Knut Andreas como seu novo regente titular e diretor artístico. Desde então, suas performances têm arrancado inúmeros aplausos e elogios dos piracicabanos e, com um bom motivo, pois sua trajetória no mundo da música já é bem extensa.

Andreas estudou educação musical, musicologia, regência e fagote nas Universidades de Potsdam, Leipzig e Munique. Seus mentores em regência incluem Ronald Reuter, Werner Andreas Albert e Dorian Wilson, um dos últimos alunos de Leonard Bernstein.

O maestro é regente titular da Orquestra Sinfônica de Potsdam desde 1998 e regente titular da OSJB (Orquestra Sinfônica Jovem de Berlim) desde 2014, ambas na Alemanha. Como regente convidado tem atuado em diversas orquestras, entre elas a Orquestra Sinfônica da Rádio e TV da Eslovênia e a “Deutsches Filmorchester Babelsberg”, em Potsdam. Além disso, também é professor honorário de história da música e gestão musical na Universidade de Potsdam.

No Brasil, já trabalhou com as orquestras de Campinas, Americana e Ribeirão Preto, com a Orquestra da Unicamp e com a Orquestra de Câmara Opus. Em turnês internacionais, Knut Andreas regeu a Orquestra Sinfônica Jovem de Berlim na Albânia, na França, no Brasil, em Taiwan e na Itália onde foi premiado melhor regente de orquestra e, com a Orquestra de Câmara da Sinfônica Jovem, melhor orquestra no festival internacional “Michelangelo” na cidade de Firenze em 2017.

Já em Piracicaba, neste ano, a Câmara Municipal honrou o desempenho do Maestro à Orquestra Sinfônica de Piracicaba com o título de cidadão piracicabano, um dos principais do Legislativo.

Nesta conversa com o JP, Knut Andreas falou como funciona a agenda entre Brasil e Alemanha, os bastidores e os melhores momentos que vivencia com a Orquestra Sinfônica de Piracicaba.

Como funciona a agenda entre Brasil e Alemanha?

É preciso um bom planejamento das atividades, tanto na Alemanha quanto no Brasil, cuidar dos compromissos e concertos com muita antecedência. Sinto-me muito feliz por esse presente na vida e poder me dedicar à música na Alemanha e no Brasil.

Em março deste ano, você recebeu o Título de Cidadão Piracicabano, um dos mais importantes da Câmara Municipal. Como se sente em saber que tem contribuído com a cidade de Piracicaba, principalmente na área cultural? 

Que honra! A placa encontra-se em um lugar especial na minha casa na Alemanha. Faltam palavras para descrever a minha gratidão por ter recebido esse título e entendo que ele é um reconhecimento da cidade de Piracicaba, por meio do Legislativo local.

Recentemente, o vídeo do concerto em homenagem aos 256 anos de Piracicaba atingiu mais 1,5 milhões de visualizações. Existe algum preparo com o grupo para essas situações? O que sentiu no momento?

Imagine quantos concertos com obras especiais, com solistas maravilhosos e regentes convidados a OSP prepara ao longo do ano, sempre publicando os concertos nas mídias. Mas um simples apagão de luz chama tanta atenção. Impressionante! O momento durante o concerto foi bem divertido. Eu pensei: –– Vamos ver até qual compasso da música a orquestra continua tocando. E eles não pararam!

Como a orquestra se prepara para as novas apresentações musicais e qual é o processo de ensaio?

Hoje estamos na Temporada de 2023, mas a equipe da OSP já está planejando a próxima temporada, para o ano de 2024, e pensando também na Temporada 2025. Os músicos recebem com bastante antecedência a agenda atual do ano e também as partes para estudar as obras e se preparar para o próximo concerto, pois os ensaios acontecem em curto espaço de tempo, algo muito atípico para a realidade de muitas orquestras brasileiras, inclusive. Presencialmente, temos apenas três ensaios com o grupo todo reunido, às quartas, quintas e sextas, com três horas de duração cada. Logo, o músico precisa estar extremamente preparado.

Há desafios que ainda são enfrentados pela Orquestra Sinfônica de Piracicaba em comparação com outras orquestras? Caso sim, quais?

Em todas orquestras há desafios. O trabalho com arte e cultura traz o grande desafio de conciliar um orçamento enxuto, em determinadas situações até insuficiente, para que realizemos tudo o que temos potencial para fazer e almejamos, como ampliar as apresentações para outras cidades e desenvolver os projetos sociais e didáticos. Sem dúvida, esses são os maiores desafios. Em Piracicaba, estamos sentindo muita falta do palco do Teatro Municipal Dr. Losso Netto, que comporta maior capacidade de público. Sofremos com o fato que não todos que gostariam de assistir a um concerto da OSP não conseguem retirar um ingresso, já que a capacidade do Teatro Erotídes de Campos, no Engenho Central, é bem menor.

Entre o cenário musical brasileiro e o alemão, há uma valorização ou cultura diferente? Quais diferenças enxerga que pode nos contar?

As estruturas entre os dois países são diferentes, mas mesmo sendo assim enfrentamos problemas parecidos no trabalho do dia a dia nas orquestras alemãs e brasileiras. Com muita alegria eu vejo o grande interesse do público brasileiro para os concertos com orquestras sinfônicas em várias cidades. Particularmente, o que me deixa muito feliz no caso de Piracicaba é termos um público amplo e tão caloroso.

Ainda sobre a diferença entre os países, trago o que percebi recentemente, durante a turnê da Orquestra Sinfônica Jovem de Berlim ao Brasil, no início de outubro: novas orquestras estão crescendo, por exemplo, em Paraty e também no Rio de Janeiro. Estou vendo o grande esforço na educação musical em várias cidades que conheci no Brasil. Sabendo que raramente todo trabalho e todas as circunstâncias do trabalho cultural podem ser perfeitos, eu fico impressionado com as amplas atividades musicais no Brasil. 

A Orquestra tem conquistado cada vez um público maior e está levando o nome de Piracicaba ao redor do mundo. Em sua opinião, quais os fatores essenciais fizeram a OSP crescer e ser reconhecida como é hoje?

O trabalho fantástico do maestro Jamil Maluf e do diretor artístico associado André Micheletti desde 2015, a continuidade e regularidade das atividades musicais, dos concertos mensais, do trabalho educativo e empenho social da OSP se juntam com a alta qualidade musical da orquestra, que é resultado da dedicação intensa dos músicos, das empresas que todos os anos acreditam no que é feito e contribuem como patrocinadoras, por meio da Lei de Incentivo à Cultura. É a soma de todos esses fatores que impulsiona e projeta o nome da OSP além do território piracicabano. Por isso, aproveito a ocasião para expressar o agradecimento às empresas Caterpillar, Drogal e Hyundai, por nos acompanharem nesta temporada.

Quais foram os momentos mais emocionantes ou memoráveis durante suas performances com a OSP?

Cada concerto tem momentos memoráveis e emocionantes. Inesquecível para mim é a experiência de ter apresentado pela primeira vez em Piracicaba a Sinfonia no. 9, do Dmitri Schostakowitsch. Fiquei muito feliz com a reação do público. Confesso que estava com medo, não sabendo se os piracicabanos iriam gostar dessa linguagem musical. Além disso, a OSP me proporcionou momentos únicos, em que pude me aproximar de artistas locais: o concerto com órgãos de tubo na Catedral de Santo Antônio, com Júlio Amstalden, a celebração do aniversário da cidade com Aninha Barros e Diego Moraes, o concerto “Rock Sinfônico” com o ginásio municipal lotado e a cantora Pa Moreno, a própria Cedan (Companhia Estável de Dança de Piracicaba), que brilhantemente conduzida pela Camilla Pupa nos presentou em dezembro do ano passado. São situações únicas, produzidas por talentos piracicabanos.

Como a Orquestra se envolve com a comunidade local e promove a educação musical?

Desde 2015, quando da reestruturação, o maestro Jamil Maluf condicionou a sua vinda para a OSP ao desenvolvimento de projetos sociais. É algo muito forte também no pensamento do André Micheletti, um educador por excelência, professor da USP em Ribeirão Preto. Temos três projetos criados desde então, porém, só pudemos fazer em 2023 o Pequena Grande Orquestra, de ensino de violino para 50 crianças de duas escolas, no Mário Dedini e Santa Teresinha. Queremos retomar em breve os projetos ABC do Dó, Ré, Mi e Música nas Escolas, e, para isso, aguardamos a assinatura do convênio com a Secretaria Municipal de Educação.

Quais planos futuros a orquestra tem para expandir sua presença e impacto no cenário nacional e internacional?

No ano que vem vamos abrir a nova temporada não somente em Piracicaba, mas também na Sala São Paulo. Queremos realizar mais um segundo concerto na Sala São Paulo em 2024 e ficamos muito felizes pelo convite da cidade de Campos do Jordão para tocar o concerto do aniversário da cidade lá.

Durante a apresentação do Rock Sinfônico, o Ginásio Waldemar Blatkauskas lotou.  Quando a OSP traz um repertório diferente, é desafiador para os músicos? Como as músicas são escolhidas?

O próximo concerto com repertório diferente teremos já neste mês de outubro. Com o título “OSP goes Jazz”, a orquestra se apresentará em Águas de São Pedro, dentro do Águas Jazz Festival, com um repertório relacionado ao jazz. Faremos uma viagem musical, de Louis Armstrong a Frank Sinatra, tendo dois solistas conosco: o cantor Gabriel Locher e o percussionista Rafael Peregrino. Concertos neste formato servem para aproximar o público da OSP, atrair pessoas que não conheciam o nosso trabalho e possuem uma dinâmica diferente do que costuma ocorrer dentro de uma sala de espetáculo tradicional, logo, o repertório também costuma ser diferente. Com isso, o público tem a percepção do quanto diversificada pode ser uma orquestra.

Recentemente, a OSP também fez a estreia mundial do compositor paulista Alexandre Guerra. Como foi trabalhar com ele? E, para a Orquestra, qual é o sentimento de ser escolhida para as estreias?

O trabalho com o compositor Alexandre Guerra sempre é muito prazeroso. Já foi a segunda vez que tive a oportunidade de reger uma obra dele em Piracicaba. O Concerto Místico para Violoncelo e Orquestra, dedicado ao violoncelista André Micheletti, trouxe uma novidade musical nesse gênero. A linguagem musical de um compositor dedicado à música de filmes influenciou esse concerto, que tivemos a honra de estrear em Piracicaba, um privilégio para todos os músicos tocando pela primeira vez uma nova obra de um dos compositores mais importantes do Brasil atualmente.

Quais são os principais objetivos e missões da OSP?

Sempre queremos crescer mais, alcançar mais pessoas. Sabemos da realidade e das limitações. Eu diria que o desejo é o de uma turnê pelas principais cidades da Região Metropolitana de Piracicaba, o que permitiria uma projeção ainda maior do nome da orquestra e também da cidade, bem como podermos estar em espaços reconhecidamente consagrados no circuito da música clássica.

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